“A Igreja é para o povo, seus corações devem bater num mesmo ritmo”: quem diz é o vigário geral da arquidiocese da Tunísia, padre Nicolas Lhernould. Lembrando do Natal recentemente comemorado, “as igrejas estavam repletas” – a despeito de um atentado ocorrido no centro da capital, algumas semanas antes. Muitos amigos tunisianos vieram por curiosidade, para ver como festejamos o Natal”. Algo talvez surpreendente, considerando o que se passava na Líbia ou na Argélia, há apenas algumas dezenas de quilômetros. Na Tunísia, diz o padre Lhernould, “a situação dos cristãos é boa; não há tensões interreligiosas. As preocupações dizem respeito a todo o povo: segurança, a economia”. Mesmo assim, quando se inflamam novos protestos, motivados pela pobreza que assola principalmente as regiões interiores do país, é preciso estar atento para não se deixar seduzir pelos discursos sectários.
A Igreja tunisiana está “à escuta de Deus e do país”, para entender como atuar nas periferias. Muita coisa mudou desde os anos 70, quando os religiosos eram convidados para os projetos de desenvolvimento educacionais e sanitários; hoje o cenário mudou e as demandas são outras. Mas o “pequeno rebanho” de católicos da Tunísia não está de modo algum acomodado. É uma igreja de imigrantes quase em sua totalidade, originados de cerca de 80 países; mas de forma alguma uma igreja de “estrangeiros”. “Consideramo-nos uma igreja de cidadãos” – enfatiza padre Lhernould -.
“Ser um cidadão não significa ter passaporte tunisiano, mas sim ser visto pelos demais tunisianos como verdadeiro membro desta sociedade”.
Nos tantos casamentos mistos, as mulheres católicas “vivem na linha de frente os reais desafios ao diálogo e à educação dos filhos”. As dez escolas católicas do país “não são escolas para a comunidade cristã. São administradas por religiosos, mas seguem currículos definidos pelo Estado e têm uma maioria de alunos muçulmanos”. Há obras de caridade desenvolvidas em cooperação com associações muçulmanas, como o projeto de assistência a portadores de deficiências ou o de suporte a mães e gestantes adolescentes. “Estas ações conjuntas são preciosas, viabilizam grandes progressos”.
Um provérbio tunisiano diz: “não escolha sua casa, escolha antes seus vizinhos”. “A convivência verdadeira entre as pessoas produz respeito e confiança. Esse é nosso verdadeiro tesouro. Mostramos com nossas vidas que, contrariamente aos discursos sectários, podemos trabalhar juntos pelo humano”, diz o padre Lhernould.
Mesmo os atentados do ano passado não foram capazes de abalar essa confiança. “Muitos muçulmanos nos procuraram nas igrejas para pedir perdão. Se essa atitude parece estranha ao ocidente, na Tunísia não o é; a hospitalidade é algo sagrado para o tunisiano – quando se hospeda alguém, assume-se perante Deus a responsabilidade pelo bem-estar daquele hóspede”. Por essa razão é importante “não morder a isca do terrorismo”, completa. Os desafios políticos são internos às facções islâmicas, e não podem ser confundidos com uma oposição entre religiões ou entre ocidente e oriente. “Tanto isso é verdade que se torna cada vez mais comum que líderes muçulmanos nos convidem, Igreja, para participar dos debates e reflexões acerca destes desafios que eles enfrentam hoje – para que testemunhemos como nossa história e nossa vivência como lidamos com os mesmos desafios”.
A nova Constituição do país – que entrou em vigor em 27 de janeiro de 2014 – busca exprimir esse equilíbrio: ao mesmo tempo que estabelece o Islã como religião oficial do Estado, protege a “liberdade de crença, de consciência e de culto”, e assegura a igualdade de homens e mulheres perante a lei. Mas, ressalta padre Lhernould, “se o direito foi capaz de promover essa revolução, no âmbito da cultura as mudanças ainda levarão tempo. Serão necessárias talvez algumas gerações para que estas conquistas se sedimentem na cultura.
“O Domingo da Misericórdia é uma ocasião especial para uma sociedade na qual invoca-se diariamente “O Clemente e Misericordioso” mais de trinta vezes em oração. É um tema que serve para nos aproximar (cristãos e muçulmanos), ainda que os conceitos de misericórdia sejam um tanto diferentes no cristianismo e no Islã. O conceito de misericórdia cristão está associado à ternura. Após os atentados recentemente ocorridos, uma das feridas deixadas nos corações de nossos irmãos muçulmanos talvez provenha de sentirem-se tratados com desconfiança. Como cristãos, é preciso que façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para reverter esse sentimento de humilhação”.
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