Como me lembro! ... Não tinha sete anos e chegávamos do Rio para morar em Anápolis. Minha mãe tinha um sonho: morar perto da Capela de Santo Antônio. E assim foi. Aquela capelinha simples, de bairro, guardava e revelava o carisma de um santo especial: Francisco de Assis. E revelava esse carisma pelo testemunho dos seus missionários. Testemunho diário, constante, verdadeiramente evangelizador, uma vez que os atos ensinam mais do que as simples palavras. Até porque as palavras emitidas por esses homens vindos de longe às vezes, eram bem "enroladas". Ainda não havia um curso de português para os estrangeiros, como mais tarde, Frei João Batista Vogel se dedicou a criar. Assim, "capengando" no português, mas aprendendo e falando a linguagem do homem simples e do amor universal uma comunidade de fé e de verdadeira fraternidade foi plantada, regada e deu frutos... e os frutos permanecem.
Frei Celso, apaixonado por S. Paulo, frei Cormac, sempre alegre, carregando, em seu jipe velho, o grupo jovem de então; frei André, de grande espiritualidade; frei Maurício, eterno brincalhão, frei João Antônio, um construtor empolgado, frei Edmundo, muito fraterno; frei Carlos, recém-chegado do Concílio Vaticano II, a meu ver, especialista em formar uma verdadeira comunidade paroquial e tantos outros que passaram e regaram com suor carregado de amor, deixando suas marcas, naquela Capela e no povo que se sentiu amado, acolhido, revigorado, irmão. Um povo que aprendeu a amar trabalhando, se dedicando, olhando o outro nas suas necessidades. Um povo que descobriu que só a fraternidade congrega e faz uma verdadeira comunidade. Mas um, em especial, guardei na lembrança do coração: frei Benedito, mais tarde, Dom Benedito. Homem simples, trabalhador, que ao aprender a língua da sua nova pátria, lia até os nomes "feios" que naquele tempo os moleques escreviam muito, nos muros. E ele queria a tradução! Difícil era as pessoas, no seu sentido de respeito, dizer o significado daqueles nomes. Quanta piada surgia!
O dia todo podia se ver uma batina marrom segura por um cordão simples, andando apressada, congregando homens e mulheres para um trabalho sem fim: arrecadação de bois para leilão, (não havia dízimo) incluindo o buscar e trazer das fazendas, "o pegar o boi na unha"; o ganhar legumes e carne e depois fazer a deliciosa sopa diária que se servia aos mais carentes da comunidade; o encontrar pessoas com mais estudo para ensinar às senhoras e crianças "cursos básicos" de higiene, relações humanas, etc.
A espiritualidade franciscana permeou todas as devoções: ainda me lembro do hino que os homens da Liga Jesus, Maria, José cantavam de peito aberto e à plenos pulmões... as senhoras tímidas, mas zelosas do Apostolado da Oração, as filhas de Maria e, sobressaindo, a Ordem Terceira, pérola da espiritualidade franciscana! Ainda existe o registro das reuniões de então, feito com a letra bonita, de professora, da minha mãe, secretária do grupo.
E foi construída a Escola Paroquial Santo Antônio! Quanto orgulho "santo" ao ver as crianças da periferia, algumas ainda descalças, aprendendo as primeiras letras! Esse trabalho foi em conjunto com as Irmãs Franciscanas de Allegany.
Ao falar em Educação, abro um parêntese para as outras escolas franciscanas criadas na cidade: Escola Paroquial Sant'Ana, Escola Noturna São José e o Colégio São Francisco de Assis. Quantos homens e mulheres de relevância política e social, como por exemplo, o atual prefeito da cidade, (e ele muito se orgulha disso) tiveram sua educação acadêmica, entrelaçada com os valores e ideais franciscanos. E hoje apresentam seus frutos!
Pode-se dizer que o povo anapolino traz em suas veias o sangue de Francisco de Assis: simplicidade, acolhimento, alegria, fraternidade. E esta herança não veio por acaso. Ela chegou de longe, não na bagagem, mas no coração ardoroso, desbravador, evangelizador. Missionário, dos frades franciscanos da Província do Santíssimo Nome.
Setenta anos! Os frades de hoje podem receber os parabéns em nome de todos aqueles que chegaram, semearam e partiram. Alguns no anonimato, outros, mais lembrados. Mas todos igualmente responsáveis pela árvore frondosa, rica em frutos, e de sombra bastante grande para continuar acolhendo e abrigando todos os que são chamados a provar do fruto saboroso do franciscanismo.
Todos estão de parabéns: a cidade, privilegiada por receber esses homens valorosos; os frades franciscanos de agora, que têm a tremenda responsabilidade de continuar a missão, com o carisma que lhes é confiado. E está de parabéns, aquele jovem sonhador chamado Francisco, que acreditou na possibilidade de viver o Evangelho e vivendo-o, anunciar o Cristo vivo!
M. Consolação Cruz Vitelli
Fonte: Folha 670